A verdadeira vontade nunca morre

Quando eu tinha 12 anos eu li “O diário de um mago”, de Paulo Coelho. Provavelmente, naquela época eu não devia ter um senso literário muito apurado, mas isso não importava. O que julgo ter sido realmente importante para aquela fase da minha vida era o entusiasmo que eu tinha ao me deparar com assuntos espetaculares como ocultismo, magia, história das religiões, espiritismo, entre outros. O primeiro livro de Paulo Coelho realmente me fascinou! Eu o lia imaginando com muita clareza os lugares por onde aquele aspirante a mago passava, o Caminho de Santiago de Compostela.

Tendo guardado toda a magia daquele lugar no meu imaginário, com o passar dos anos O Caminho passou a ser alvo de desejo e estimulador da minha imaginação. Com o tempo, fui deixando as mirabolâncias da magia de lado e a vontade de percorrer o caminho passou a estar atrelada ao anseio por autoconhecimento.

Foi então que, aos 30 anos, a vida conspirou a favor do meu sonho e repentinamente me flagrei diante das condições ideais para transformá-lo em meta. Tomei coragem (associada ao grande estímulo da minha namorada) e comprei as passagens para a Europa! Mas como nem tudo são flores, um dileminha me incomodava: não terei tempo para fazer todo o caminho a pé. Não mais que depressa encontrei uma solução. Comprei uma bicicleta!!!

E dá-lhe pedalada! Treinei vagabundamente por 5 meses, tendo apertado o passo no último mês. Os preparativos exigiram muito planejamento. Primeiro tive de calcular toda a rota, as possíveis paradas e as despesas. Comprei remédios de todos os tipos e vários equipamentos para a bicicleta, além de roupas e bagageiro especiais. Chegado o dia, desmontei a magrela, embalei-a em uma caixa e embarquei rumo a Paris.

O diário de um bicigrino

Partindo do sul da França, foram 850 km no lombo de uma bicicleta até chegar a Santiago de Compostela, atravessando todo o norte da Espanha. Em uma viagem de autoconhecimento, com pitadas de espiritualidade e superação, em 16 dias pedalei 14 e descansei 2. Cruzei mais de 150 localidades, desde vilarejos abandonados, castelos e igrejas medievais até grandes e movimentadas cidades. Dormi em 14 hospedarias diferentes, entre albergues, hotéis e casas rurais (residência familiar). Tomei chuva, vento, frio e 2 tombos. Sentei com gente de todos os continentes para comer, beber e trocar experiências. Enfim, vivi de uma maneira tão intensa em tão pouco tempo que só agora, depois de cair a ficha, posso concluir que valeu a pena esperar 18 anos para conquistar o Caminho de Santiago. Confira a seguir meu diário de bordo e uma entrevista dada à Rádio Líder FM, para o programa Hi-Mundim na Líder.


Dia 1 – Saint Jean Pied de Port / Roncesvalles

Após dois dias de passeios na capital da França e noites mal dormidas, tomei um voo para Biarritz, região sul, divisa com a Espanha. Meu primeiro anjo apareceu ainda no aeroporto de Paris, um brasileiro, funcionário da companhia Easy Jet, que me ajudou a embarcar no último minuto. Chegando a Biarritz, fui de táxi até a cidade de partida mais famosa do caminho, Saint Jean Pied de Port. A aventura começou com uma descoberta: eu sei montar uma bicicleta! Cravei minha bandeirinha do Brasil no bagageiro da bici e fui procurar uma loja de acessórios de camping para comprar um saco de dormir e luvas para o pedal (comprei o saco no Brasil pela Internet, mas não chegou a tempo; as luvas eu lavei e sequei no microondas, mas o resultado não ficou satisfatório).

Munido dos equipamentos e acessórios necessários, encontrei um Carrefour ao lado da loja. Comprei um lanche natural e um iogurte. Na ausência de mesas, fiz minha refeição no estacionamento do supermercado. De barriga cheia, encontrei a igreja local onde abasteci meu cantil e mochila de hidratação com água da torneira. Lá é limpa e gelada!

E começa a pedalada! Subida e mais subida! Enquanto no Brasil minha média era de 18km/h, na minha primeira etapa eu alcancei a incrível média de 3km/h. Após as duas primeiras horas de sofrimento, encontro a primeira estalagem e meu primeiro café com leite! Resumindo, os 26km de Saint Jean Pied de Port até Roncesvalles foram de montanhas (1440 m de altitude), neblina, friooooooo, muito frio, e subida! Muita subida! Eu arrastava a bicicleta por um bom tempo sem olhar para trás. Quando olhava, a decepção ao perceber que só tinha andado 50 metros. Seria engraçado se não fosse sofrido. Percorri todo o percurso em 7 horas, empurrando a bike, sem encontrar uma alma humana. A partir dali, comecei a perceber que seria uma viagem solitária. Eba!!!

Depois de toda subida gigante vem uma descida gigante. O vento gelado nos dedos parecia facas. Mas cheguei a Roncesvalles! Ainda perdidão, não entendia o funcionamento do albergue. Arranhei meu inglês e nos fizemos entender. Para passar a noite, sem direito a nenhuma refeição, paguei 10 euros, valor padrão da maioria dos albergues do caminho. O jantar foi sem banho mesmo, pois os dois únicos restaurantes do vilarejo estavam prestes a fechar. Sentei na mesma mesa de um casal que havia pedido vinho. Me ofereceram, mas eu fiquei envergonhado. Só depois fui saber que o menu do peregrino já incluía vinho à vontade. Após o jantar, meu primeiro banho em um banheiro coletivo. A maior dificuldade era (e continuou sendo) arranjar um lugar para pendurar minhas coisas enquanto eu tomava banho. Outra particularidade dos banheiros dos albergues era a temperatura da água do chuveiro, nunca quentinha. De banho tomado fui dormir enrolado em meu saco de dormir, ao som dos roncos peregrinos (o protetor de ouvido amenizou o volume da orquestra).


Dia 2 – Roncesvalles / Pamplona

Já comecei a entrar no clima e me sentir um bicigrino. Acordei cedo, conforme as orientações do funcionário do albergue, e fui um dos últimos a deixar o quarto. Mal sabia que essa prática se tornaria comum. Desci e comprei uma capa de chuva na recepção. Enchi minha mochila de hidratação com água da torneira, com um pouco de receio, claro, e me dirigi ao bar, do outro lado da rodovia, para tomar meu primeiro café da manhã tradicional de peregrino, na companhia de três americanos.

O segundo dia de pedal começou com chuva e euforia. Percebi a cagada que havia cometido ao não comprar alforges impermeáveis. Ainda bem que o dono do bar me vendeu por alguns centavos de euro dois sacos de lixo, que me acompanharam até o fim, protegendo minhas coisas da chuva.

O início do pedal foi pela rodovia, logo atrás dos americanos. A capa de chuva não serviu para nada, pois era ideal para quem caminha e não para pedalada. A sensação de frio era muito maior com o vento e a chuva. Os dedos doíam muito por conta do vento gelado. Alguns quilômetros adiante notei um mercadinho à beira da rodovia e percebi uma oportunidade de comprar luvas impermeáveis. Ao entrar no estabelecimento, encontrei novamente os americanos. Tinham a mesma intenção que a minha, comprar luvas. Após arranhar um pouco de inglês com eles, compramos as luvas e seguimos viagem juntos.

Após alguns quilômetros pedalando com os gringos na rodovia, decidi fazer o caminho tradicional pelas trilhas, uma opção mais solitária. Não imaginava que em certo ponto seria mais viável voltar para a rodovia por conta da dificuldade de pedalar no mato com pessoas disputando um espaço bastante estreito. Voltando para a rodovia tomei meu primeiro tombo. Pura falta de destreza com o engate da sapatilha, que deve ser removido com rapidez quando deparado com uma subida íngreme. Não consegui soltar o pé a tempo e caí de lado, em câmera lenta. Ri bastante com a situação e continuei o pedal. Mais adiante encontrei os americanos e paramos para alguns sachês de carboidrato, algumas fotos e mais alguns quilômetros de caminho juntos. Me despedi e continuei sozinho.

A pausa para o primeiro almoço também foi solitária, em uma vila minúscula muito bonita. Não sabia como me comportar, o que pedir. Meu vocabulário para a culinária espanhola era nulo. Mas consegui me virar bem com o menu do peregrino (comum na maioria das estalagens do caminho de santiago). Tomei uma sopa de entrada com uma macarronada como prato principal. Descobri que o pão e vinho era à vontade! Uhuuul! Me fartei!

O resto do pedal foi tranquilo, com terrenos e paisagens variados. A chegada a Pamplona foi interessante. Logo ao lado da praça principal encontrei o albergue público e fui o primeiro bicigrino a passar o cadeado na bike numa sala exclusiva para as magrelas. Depois do check-in fui para a o quarto coletivo, cheio de beliches. Havia uma lavanderia, onde conversei com dois homens sobre como era o funcionamento das máquinas de lavar. Um saiu e o outro propôs dividirmos a mesma máquina, já que tinhamos uma pequena quantidade de roupa. Em inglês, perguntamos um ao outro onde morava. Ambos no Brasil! Demos muita risada e logo fizemos amizade. O cara era um psicólogo e dizia ser de Brasília. Combinamos uma cerveja após o banho e logo estávamos em um bar bastante charmoso tomando cerveja e comendo punchos, umas comidas típicas em porções pequenas de aperitivo. Muitos peregrinos se divertiam no bar, onde conheci um argentino e pessoas de outras partes do mundo.

De volta ao albergue, bati um papo com um rapaz inglês e um senhorzinho japonês. Em conversa com o oriental, mencionei que eu praticava aikido e ele ficou entusiasmado. Entre gestos e um inglês desencontrado, ele tentou me explicar o significado do Ki, um fator primordial para a fluência e execução das artes marciais japonesas. O papo estava muito bom, mas precisávamos dormir, pois o dia seguinte seria cheio de dificuldades. Durante a madrugada, acordei com o barulho de um peregrino embriagado batendo à porta do albergue, que havia fechado às 23h, devido à regra local. O pobre bebum teve de passar a noite para o lado de fora, afinal, regras são regras.

Dia 3 – Pamplona / Estella

Acordei meio assustado com uns tapinhas no ombro. Era o psicólogo querendo o meu contato, meio apressado, pois estava percorrendo o caminho a pé, e como a grande maioria, necessitava sair mais cedo para aproveitar melhor o tempo. Repassei e-mail e telefone e até hoje nunca recebi uma mensagem dele.

Levantei e guardei minhas coisas. Mais uma vez minha saída do albergue foi tardia, dessa vez fui o último. Logo na primeira rua de pedal, parei para o café da manhã em um bar bem bacana. Chequei os mapas e memorizei a próxima parada, Puente la Reina, local de entroncamento entre diferentes origens do Caminho de Santiago.

O pedal foi moderado, alternando entre trilha e asfalto. Já em um bom horário para o almoço cheguei em Puente La Reina. Após comer no vilarejo, fui em direção ao rio em que se encontra a famosa ponte, construída na idade média para a passagem dos peregrinos. Após cruzar a ponte, encontrei Sarah, uma americana que pedalou os próximos 3 dias comigo.

No primeiro contato com Sarah, percebi que teria dificuldade com o inglês. Os norte-americanos pronunciam as palavras muito mais rápido que os europeus, então percebi que seria melhor arriscar um pouco de portunhol com algumas frases em inglês. Dessa forma nos entendemos bem e fomos rumo à rodovia, preferência de Sarah. Conversamos bastante, tentando entender um pouco a realidade e os objetivos do outro. Descobri que ela era enfermeira e que falar espanhol nos Estados Unidos era uma habilidade digna de maiores salários na área da saúde, talvez por conta do grande número de latinos que habitam o país.

O restante do terceiro dia de pedal foi meio puxado, pois pedalar acompanhado de outra pessoa não me permita um ritmo próprio. Logo percebi que alguns pontos positivos e negativos deveriam considerados nessa parceria. A recente companheira gostava de forçar na subida e maneirar na descida, já eu o contrário, preferia um pedal suave nas subidas e descer a lenha na descida. Concluí que a companhia seria interessante por alguns dias, porém, não até o final, já que meu objetivo maior era uma viagem de introspecção.

Sarah e eu chegamos a Estella, após termos percorrido juntos todo o trajeto do dia pela carretera (rodovia). Encontramos o Albergue Juvenil, numa área bastante arborizada da cidade. 10 euros a pernoite. Também se hospedava naquele dia um grupo de estudantes, não me lembro de qual país, que fazia o caminho de bicicleta. Pela primeira vez, encontrei um grupo de bicigrinos.

Tive de dividir quarto com Sara e mais três senhoras alemãs. Após o banho, saí a pé para conhecer a cidade e jantar. Decidi passar num supermercado para comprar algumas coisas para comer no dia seguinte, no café da manhã e durante o pedal. Já estava começando a enjoar dos sachês de carboidrato e das barrinhas de proteína, trazidos do Brasil. Após as compras, fui para um restaurante, pedi um prato com entrada e tomei minha primeira Coca-Cola espanhola. Durante a refeição, notei um fato curioso que se repetiria em vários bares espanhóis: o chão sempre está sujo, acumula toda a porquice do dia e por alguma razão eles deixam lá o dia todo. Voltei para o albergue e dormi feito uma pedra!

Dia 4 – Estella / Navarrete

Acordamos e descemos para o café. Neste albergue havia cozinha que oferecia o café por alguns euros. Eu e Sarah optamos por não pagar e comer o que tínhamos comprado no dia anterior. Bicicletas a postos, bagagens e equipamentos checados, iniciamos o pedal com destino a Navarrete.

Fazia frio, assim como nos dias anteriores. No meio do caminho eis que surge um senhor com sua bicicleta, alto, bermuda, camiseta, pele clara e semblante ameno. Confesso que me assustei um pouco, mas ele não transmitia perigo. Era apenas um médico holandês. Reinout.

O restante do dia foi de conversa, pausas para café com leite e pedalada, muita pedalada. A paisagem foi meio sem graça, pois Sarah e Reinout tinham preferência pela carretera. Ao chegarmos em Navarrete encontramos um albergue um pouco mais sofisticado, com menos quartos por andar. Sarah preferiu um quarto exclusivo, pagou um pouco mais (25 euros). Eu e Reinout ficamos em um quarto coletivo com 3 beliches. Foi onde conhecemos um colombiano que trabalhava nos Estados Unidos. Ele acabara de iniciar o caminho a pé, e já reclamava bastante da dificuldade. Após o banho saímos os 4 para tomarmos uma cerveja. No bar encontramos vários peregrinos, inclusive uma moça alemã que estava fazendo o caminho correndo. Jesus! Correndo? Sim, e com uma mochila gigantesca nas costas.

Após a cerveja, Brasil, Colômbia, Estados Unidos e Holanda se reuniram em uma missão diplomática para decidir o local do jantar. Escolhemos o restaurante mais próximo e lá ficamos até o escurecer, que nessa época do ano acontece por volta das 22h. De pança cheia, voltamos para o albergue. Fim do dia!

Dia 5 – Navarrete / Tosantos

Mais uma manhã em que comecei praticando minha habilidade de ser o último a deixar o quarto. Reinout e Sarah foram visitar a igreja local, o que me deu um tempinho maior para organizar minhas coisas. Uma tarefa massante, que se repetia todos os dias, era dobrar as roupas e colocá-las em sacos plásticos zíper, já que os alforges não eram impermeáveis. Tomamos café no próprio albergue. Esse tipo de refeição, geralmente, era composta por tostada (pão na chapa com manteiga) e café com leite, por um valor de 3 euros.

O pedal a três foi produtivo. Reinout tinha uns mapas mais completos, com rotas alternativas.  Apesar da companhia agradável, cada vez mais eu percebia que estava me distanciando do meu principal objetivo: permitir-me momentos de introspecção e autoconhecimento. Enquanto pedalávamos, o holandês e a americana conversavam fluentemente e eu ficava meio de escanteio. Os dois tinham um ritmo forte com a bike. Ele tinha o hábito de pedalar em seu país, além de ter iniciado o caminho em sua própria cidade. Isso lhe dava centenas de quilômetros de preparo físico. Para Reinout o caminho todo somaria dois mil quilômetros, enquanto meu saldo era de apenas algo em torno de 200 km. Já o porte de Sarah era o de uma mulher que passava dos 30 e que estava com o peso em dia, contrastando com meus 12 quilos de sobrepeso. Nessas horas, minha consciência sentia algumas pontadas de arrependimento ao lembrar da preguiça que eu tinha de praticar treinos mais fortes no Brasil.

Entre subidas e decidas pela carretera, pausas para o café com leite em Najera e Santo Domingo de la Calzada, onde paramos para algumas fotos na catedral local. As igrejas medievais espalhadas pelo caminho chamam a atenção por sua imponência em meio a vilarejos desolados. Certamente, há séculos as igrejas deviam concentrar a população rural durante as celebrações.

Tentamos nos hospedar em um vilarejo, mas todos os albergues estavam lotados. Seguimos viagem até chegarmos a Tosantos, local onde não tínhamos pretensão de parada. Porém, a arquitetura do albergue nos chamou a atenção. A vila é minúscula, apenas um entroncamento de rodovia. No entanto, o albergue franciscano nos reservava uma experiência marcante. Descemos e tomamos as instruções sobre o funcionamento da hospedagem com o voluntário local. A arquitetura do prédio era rústica, paredes de barro caiadas com a estrutura em eucalipto. Não havia taxa fixa para hospedagem, nem camas, somente colchões espalhados pelo chão. O jantar era preparado pelos próprios peregrinos, bem como a arrumação da cozinha. Depois do banho, com a comida servida, antes de iniciarmos a refeição, todos fizeram uma oração. Comemos! Após o jantar, todos se dividiram para deixar a cozinha limpa e a sala de jantar arrumada. Depois subimos para uma sala de teto baixinho que servia de capela. Cada peregrino leu uma parte do evangelho em sua própria língua. Ouvi alemão, inglês, francês, holandês, espanhol e o meu próprio português. Em seguida, cada um pegou um bilhete deixado nos dias anteriores por outros peregrinos. Lemos preces, pedidos e desejos de boa sorte, também cada um em sua língua. Para mim, mesmo não sendo cristão, foi uma experiência mágica, que me despertou o sentimento de gratidão e me fez repensar o valor que as coisas simples têm.

Identifiquei nesse local a oportunidade de me desfazer de uma jaqueta que só me atrapalhava por ser muito pesada e ocupar um espaço enorme no alforge. Conversei com o diretor do albergue e ele me indicou um peregrino para a doação. Ao cair da noite, entreguei a jaqueta a José, um peregrino que estava ali voluntariamente há duas semanas, auxiliando na recepção de todos que chegavam para se hospedar. Ele ficou muito contente!

Dias 6 e 7 – Tosantos / Castrojeriz

Acordei, tomei café e deixei uma doação generosa na caixinha. Despedimos de todos e partimos rumo a Burgos, a primeira cidade grande do caminho. Eu tinha em mente que este seria o último dia na companhia de Sarah e Reinout. Estava decidido a imergir solitariamente no Caminho de Santiago. Sarah comentou que queria ficar duas noite em Burgos, para tirar um dia de descanso. Gostei da ideia e copiei sua meta.

Neste dia fizemos um caminho misto de pedalada, variando entre a carretera e as trilhas, com direito às, já tradicionais, pausas para o café com leite e visitação de igrejas medievais. Reinout decidiu sair da rota e visitar o Monasterio de San Juan de Ortega, enquanto eu e Sarah continuamos juntos em direção a Burgos. Na pausa para o almoço Reinout, com suas asas nas canelas, nos alcançou. Seguimos pela trilha e passamos ao lado de uma zona militar. O caminho era cheio de pedras e foi ali que tomei meu segundo tombo, pelo mesmo motivo do primeiro: falta de velocidade e sapatilhas não desengatadas a tempo. Nada grave, nessas horas eu sou grato aos treinamentos de Aikido.

Chegamos a Burgos. A avenida de entrada é enooooooorme. Pedalamos alguns quilômetros até chegar na parte central. Eu, morto de fome, como sempre, e meus amigos preferiram cerveja e alguns petiscos ao lado da catedral #sqn. Depois percebemos que a catedral não era a igreja que estávamos. Seguimos pedalando pela cidade até chegar à igreja principal. Estava rolando uma apresentação em que o público podia se pendurar em um guindaste ao passo que faziam coreografias no ar. Estranhamente legal. Sarah e Reinout queriam visitar a catedral e eu tomei uma decisão repentina, não ficar em Burgos. Me despedi dos dois e segui caminho sozinho com certa tristeza no coração por deixar meus amigos. O Caminho de Santiago nos fragiliza emocionalmente, não sei se pelo desgaste físico ou pelo estado mental de misticismo. Talvez pelos dois motivos.

Segui viagem sozinho, seguindo as setas amarelas e as conchas espalhadas pelo caminho para sinalizar o sentido correto. Até burgos já havia pedalado mais de 60 km no dia. Eu queria um lugar mais pacato para passar um dia de descanso e fui até o próximo vilarejo tentar uma vaga no albergue. Nada de vagas. Segui mais 10 km, nada de vagas. E assim foi pelos próximos 40 km, sem vagas nos albergues. Pela primeira vez eu senti medo de não encontrar um lugar para passar a noite. Ainda bem que o trecho era plano e o sol não me abandonou. Cheguei a Castrojeris perto do anoitecer e encontrei vaga em um hotel, mas era muito caro e eu deveria considerar o gasto para duas noites. Segui mais um pouco pelas ruas de pedra da cidade e vi uma plaquinha de “Casa Rural” na fachada de uma casa e abaixo os preços. Achei razoável o valor de 25 euros por noite para ter mais conforto e privacidade. Bati na porta e uma senhora me atendeu, sra. Marissol. Negociamos e entrei. A casa era de dois andares, muito bem cuidada! O banheiro era ao lado do quarto, que tinha lençóis limpos, cobertores, duas camas e uma TV. Pensei: estou rico!!!

Castrojeris é um bom lugar para descansar. Apesar das ladeiras de paralelepípedo, caminhei pelas redondezas da Casa Rural a fim de conhecer o vilarejo e consumir um pouco da cultura local. Após cruzar a Plaza Mayor, encontrei uma taberna interessante para jantar. Passava das 21h e o sol ainda brilhava quando entrei no estabelecimento e me deparei com pessoas de mais idade bebendo e comendo, sendo poucos peregrinos (a maioria destes prefere se recolher mais cedo). Na parede, fotos daqueles que passaram por ali e registraram o momento ao lado do proprietário, cujo nome não me recordo. Em uma das fotos, o escritor Paulo Coelho, que relatou em seu livro “O Diário de um Mago” sua passagem por Castrojeris como a cidade onde o demônio o atacou em forma de grandes cães pretos. No dia seguinte, mais alguns passeios solitários pelas ruas, algumas cervezas e a compra de produtos de higiene e de alguns biscoitos para levar nos alforges.

Dia 8 – Castrojeris / Sahagún

Com o corpo descansado, tomei um café da manhã a la Chaves, com churros potiados no chocolate. Arrumei minhas roupas, lavadas pela anfitriã, e tirei a bici da casa. Após uma foto com o casal, despedi-me da sra. Marissol e de seu marido, e segui caminho por terra. Logo na saída da cidade, a vista é linda: uma imensidão de plantações rasteiras e um pequeno caminho de terra branca cortando as colinas. Bela paisagem para uma foto.

Depois de alumas pedaladas em planos e pequenas subidas, descambei numa decida acentuada. Minha buzina trabalhou bastante, bem como meus votos de “bon camino”. Após um bom pedaço de subida, notei uma parada inusitada. Vários peregrinos descansando, comendo frutas e tomando café servido por um senhor que ali trabalhava em troca de doações. Depois de tomar o café dele, fiquei meio ressabiado por perceber que a origem da água usada na bebida quente era de um duto de enxurrada. Dei risada e torci para aquilo não me causar algum problema intestinal. Quando fui até a bici para pegar o dinheiro, notei que a mochila comprada em Saint Jean não estava no bagageiro. Nela estava contida o saco de dormir e a capa de chuvas. Preocupado, concluí que havia caído durante a descida anterior e ao olhar para trás foi inevitável o desânimo ao observar o quão grande seria a pedalada de volta em busca da mochila. Após dar algumas moedas ao senhor do café de enxurrada, parti desesperançoso fazendo o caminho de volta. Após poucos metros de pedal avistei um peregrino carregando uma mochila da mesma cor que a minha e quando me aproximei percebi que era a própria. Ele me entregou e eu, quase em estado de êxtase, o agradeci imensamente.

O trecho do dia foi tranquilo, sem muita dificuldade. Pelo caminho, antes da parada para o almoço (como de costume, por 10 euros, comi o Menu del Peregrino: entrada + prato principal + sobremesa + pão e vinho à vontade), me chamou a atenção os canais de irrigação. A paisagem é carente de belezas extravagantes.

Cheguei a Sahagún e logo na entrada da cidade avistei o Albergue Viatoris. A essa altura do caminho, passei a dar preferência por instalações mais confortáveis e o Viatoris me pareceu uma boa escolha por um preço justo. O ambiente era compartilhado por peregrinos hospedados em quartos do hostal (mais conforto) e do albergue (beliches e banheiro compartilhado). O único inconveniente da estada foi um grupo de argentinos barulhentos e nada simpáticos. O jantar foi agradável, dividi mesa com alemães e outros europeus.

Dia 9 – Sahagún / León

Após o café da manhã, o tempo era de céu nublado e frio. Saí do albergue e fiz uma breve parada na praça para o costumeiro alongamento pré-pedal. Segui caminho determinado. Apenas algumas paradas para aquecer o corpo com um café con leche. Apesar da primavera, faz frio na Espanha nessa época do ano, o que se intensifica com os ventos na ausência de sol.

A parada para o almoço foi por volta das 12h em Mansilla de Las Mulas, um vilarejo medieval que em seu auge era protegido por uma muralha. Hoje só restaram alguns tijolos no portal de entrada do local, que recebe o nome de Santiago. No século XII, Mansilla era o primeiro ponto de parada dos peregrinos no Reino de León. Ao adentrar a cidadela, parada numa feira hortifruti para uma foto antes de localizar um restaurante aberto. Foi difícil, pois os estabelecimentos não ofereciam refeições antes das 13h. A melhor solução seria esperar, pois não tinha certeza se encontraria lugar melhor para almoçar adiante. Aproveitei a pausa para procurar uma relojoaria, pois meu relógio havia parado por falta de bateria. Pedi informação a uma senhora muito gentil que, acompanhada de uma amiga também muito gentil, me levou até uma feira de bugigangas e me apresentou a um senhor que vendia baterias para relógio. As senhorinhas se mostraram muito afeiçoadas por mim, insistindo que eu dissesse meu telefone e meu perfil no Facebook, além de uma foto. Achei engraçado o assédio. Após o almoço, segui determinado para León.

Ao chegar a León, capital da província homônima, me deparei com uma cidade grande e movimentada. Sua fundação data do século I a.C. Tive dificuldades para encontrar o albergue municipal. Depois de alguns pedidos de informação e buzinas de carros apressados encontrei a estalagem, que era guardada por uma enorme e antiga porta de madeira. A recepção, em um espaço aberto, estava lotada de peregrinos e bicigrinos. Um deles me chamou a atenção por sua arrogância ao se recusar a largar o cigarro depois do pedido gentil do recepcionista. Após me credenciar e pagar 10 euros, subi para o quarto comunitário, escolhi um beliche e me instalei.

Saí para dar uma volta e escolher um bom lugar para o jantar. Enquanto procurava por um restaurante, me deparei com indícios de um anfiteatro da Roma antiga, que data do século I d.C. Infelizmente, não consegui visitar o interior do ambiente e segui caminho até encontrar um restaurante, onde experimentei uma pizza tradicional com toda exclusividade de único cliente do estabelecimento. Com a pança cheia, a noite foi de sono profundo.

Dias 10 e 11 – León / Astorga

O café da manhã no albergue municipal de León se resumiu a um copo de água. Como de costume, eu aproveitava até o último minuto de sono, o que me conferia diariamente o título de retardatário. Parti com uma garoa fina no lombo, seguindo as setas amarelas e as conchas entalhadas nas calçadas. O frio era intenso, e o vento cortante. Para piorar, antes de deixar a cidade, a garoa se transformou em chuva. Graças ao chão liso, presenciei um acidente em que um minicaminhão bateu numa fachada de loja. Nada grave. O frio e a chuva me obrigaram a procurar uma loja para comprar uma roupa impermeável adequada, já que a capa comprada em Roncesvalles servia apenas para ocupar espaço. Àquela hora da manhã, as lojas ainda estavam fechadas. Depois de, sem sucesso, esperar a chuva passar, pedalei pela cidade até encontrar uma loja que vendia artigos de tracking e equipamentos de segurança. Tomei café em um bar ao lado e esperei até a loja abrir. Comprei um conjunto composto por calça e blusa impermeáveis que me permitia mobilidade e proteção contra a chuva.

Pedalar com chuva, frio, vento e roupa impermeável é muito difícil. Quando o sol aparece, você começa a suar e a passar calor. O suor não evapora e, ironicamente, você fica todo molhado. Isso aumenta o frio quando a chuva volta e provoca um calor muito chato quando o sol fica intenso. Até o fim da viagem, quase todos os dias, experimentei essa sensação de frio e calor, calor e frio.

O dia de pedal foi somente por rodovias. Sempre lutando contra o vento, o frio e a chuva. Me abriguei embaixo de ponte, ponto de ônibus e cafés espalhados pelo caminho. A chegada à Astorga foi confusa, pois não tinha ideia sobre qual entrada era a mais adequada. Com certa dificuldade, cheguei ao centro histórico da cidade, onde se destacam alguns edifícios: a prefeitura, o Palácio Episcopal, arquitetado por Gaudí, e a Catedral de Santa Maria de Astorga.

A combinação irresistível de cansaço com cidade interessante me fez decidir por mais um dia de descanso. Perguntei no escritório de turismo sobre um bom lugar para me hospedar. Tudo que mais desejava era um quarto só pra mim com água quentinha à vontade para tomar um banho demorado. Encontrei todo esse conforto na Casa Sacerdotal de Astorga, um local que serve de moradia para os sacerdotes católicos. Por 25 euros, e sem se importarem com meu corpo cheio de barro, os simpáticos velhinhos me receberam muito bem. Após guardar a bike nos fundos do prédio vivenciei a estranha experiência de andar de elevador. Graças a simplicidade extrema dos albergues nos quais eu havia me hospedado, aquela sensação de satisfação por tomar contato novamente com o conforto me emocionou.

Após o banho, peguei meu livro “Não espere pelo epitáfio”, de Mario Sergio Cortella, e saí para caminhar pela cidade vestindo minha única calça jeans e nos pés a sapatilha com seu barulhento cancho de ferro na sola. Decidi que já era hora de comprar alguma peça de roupa, já que mais da metade do caminho havia ficado para traz e as novas vestimentas seriam necessárias em minha chegada a Madrid. Entrei em uma loja de roupa esportiva e escolhi um conjunto de calça e blusa Adidas, desses bem característicos da marca que vêm com as três listras laterais. Segui caminhando observando as ruas estreitas, os prédios antigos, a falta de gente, os bares, a expectativa por um dia de folga. Pausa em um bar para ler um pouco, tomar uma cerveja e refletir sobre o momento.

O tão esperado dia de folga passou rápido. Entre as prazerosas experiências ficaram na memória o passeio pela área gratuita do palácio de Gaudí, da Catedral (que também cobra entrada) e o os chocolates de Astorga, muito tradicionais em toda a Europa. Para fechar o dia, escolhi um restaurante mais refinado para jantar. Eis que ao entrar, me deparo com o ser arrogante que queria fumar a qualquer custo no albergue de León. Ignorei-o e foquei toda minha atenção na picanha mais maravilhosa da história do Anderson. Me lembro bem do quão aflorados os meus sentidos ficaram no período em que percorri o caminho (alguns, até hoje). Não sentia fome, sentia aaaaaaaaaa fome! O sabor dos alimentos se tornaram muito mais intensos, o que naturalmente provocava muito mais prazer ao ingeri-los. A partir dessas experiências sensoriais inéditas, passei a dar mais valor em coisas que antes eram ignoradas, como prestar atenção no sabor da comida.

Dia 12 – Astorga / Ponferrada

A Casa Sacerdotal não oferecia café da manhã, então, me apressei para sair o mais cedo possível, a tempo para o desayuno. Antes de liberar o quarto, repeti o ritual de enrolar todas as roupas e amassá-las dentro dos alforges. Com meu novo look Adidas para ocupar espaço, decidi deixar algumas peças para doação. Ao me despedir do tesoureiro da casa, um padre idoso muito gentil, fui orientado a procurar a faxineira do local para oferecer as roupas para doação, pois, segundo o sacerdote, a moça era encarregada de um trabalho voluntário de arrecadação de roupas para os mais necessitados. Assim o fiz.

Após tomar café da manhã em um bar próximo, chequei o roteiro no meu mapa e, em seguida, me veio à memória o que havia lido em “O Guia do Viajante do Caminho de Santiago – Uma vida em 30 dias”, de Daniel Agrela: a famosa Cruz de Ferro estaria no roteiro do dia!

Logo nas primeiras horas de pedal, avistei no horizonte uma montanha coberta de neve. Graças ao frio intenso dos últimos dias o que eu mais desejava pedalada após pedalada era que a rota não me obrigasse a passar por aquela montanha. Pouco a pouco, enquanto a indesejável montanha ficava para traz, a garoa ficava mais densa e a terra do caminho mais molhada, o que aumentava o perigo.

Já no horário de pausa para o almoço notei um vilarejo pequeno, porém muito peculiar. Não precisou procurar muito e logo encontrei um lugar legal para comer e me abrigar da chuva que acabara de começar a cair. Na verdade, não poderia ter encontrado restaurante melhor. As paredes da entrada eram todas de pedras rústicas, encaixadas umas nas outras ao estilo medieval. Ao passar pela placa (pedaço de madeira) pintada a mão com os dizeres “Casa de Comidas” notei que todo o interior do local também era secular, ao estilo celta. Passada a entradinha com teto em duas águas desci uma pequena escada que dava acesso ao salão das mesas. Pensei: que lugar foda! Parecia um set de gravação de um filme, só faltou o William Wallace (Mel Gibson) de Coração Valente vir me servir. Foi quase isso. Logo me assustei ao ver um senhor corpulento e barbudo, porém de feição benevolente, vestindo uma fantasia medieval, aparecer do nada para me atender. No cardápio só pratos simples. Escolhi costelas e batatas assadas sobre um pão caseiro. Claro usei o garfo só para as batatas (e só porque estavam quentes demais). Me lambuzei todo enquanto comia. Bebi tanto vinho quanto um bezerro há 10 dias sem ver teta. Para finalizar, um café diferentão.

Depois de me fartar na Casa de Comidas, segui caminho. Algumas pausas para me aquecer aos goles do café con leche e para fotografar uma linda rosa e que encontrei (mais tarde teve WhatsApp para a namorada). Foram alguns quilômetros de pedal, entre terra e asfalto, para chegar à Cruz de Ferro. O símbolo católico estava fixado em um mastro localizado em um monte formado por pedras e objetos deixados por devotos de todo o mundo. Encostei a bike, escalei o morrinho e aproveitei para deixar ali meu único símbolo abandonável: a bandeirinha do Brasil que me serviu de companhia até aquele momento. Enrolei a coitadinha e deixei no pé da cruz com o pensamento de que ela poderia representar minhas perturbações deixadas no Brasil. Após alguns momentos de reflexão, segui viagem com uma cidade em mente: Ponferrada.

Horas depois, lá estava eu na cidade que recebeu esse nome por possuir uma ponte que foi reforçada com ferro para não desmoronar. Chegando no albergue, descobri que não havia cama disponível, então aceitei um sofá. Mas de repente uma brasileira desistiu de sua acomodação e foi para um hotel, me cedendo sua vaga no beliche mais escondido que já havia contratado. Após o banho, fui dar uma volta a pé para conhecer a cidade histórica. Logo encontrei o lugar que estava ansioso para conhecer: o Castelo dos Templários. A fortaleza começou a ser construída XIII e permaneceu por 300 anos servindo à ordem dos Templários, que protegeu os peregrinos do Caminho de Santiago por séculos. A edificação passou por várias ampliações, até ser desativada com a extinção da fraternidade.

De volta ao albergue, notei num marco de concreto que faltavam 205 quilômetros para a chegada a Santiago. Me recolhi em meu saco de dormir. Dormi quase gostoso, só os roncos e o encanamento barulhento sobre a minha cabeça incomodaram um pouco.

Dia 13 – Ponferrada / Cebreiro

Comecei o dia de pedal com uma palavra em mente: dificuldade. Como havia lido em minhas pesquisas na internet e guias que levava comigo, parti com certo receio, já que uma elevação de 1300 metros estava por vir. No entanto, me surpreendi com meu desempenho. Ou as pessoas supervalorizavam aquele trecho ou eu estava com meu condicionamento em dia. Claro não foi nada fácil, pois a subida foi praticamente constante. Mas, diferente de outros peregrinos, não comparo esse percurso ao de Saint Jean a Roncesvalles.

A pedalada, em sua maioria, foi pelo asfalto. Dois austríacos (pelo menos foi o que eu entendi) me acompanharam no fim da etapa. Pela primeira vez eu empurrei a bicicleta em trechos que poderia ter pedalado. O cansaço nos km finais era muito intenso. O humor variava bruscamente nessa etapa.

Ao chegar no vilarejo, apreciei as construções em pedra, também ao estilo celta. O Cebreiro fica localizado sobre as montanhas e já foi cenário do filme “Não pare na pista”, que conta a história do escritor Paulo Coelho. Parei a bici para jantar (estava com tanta fome que antecipei a refeição) e logo de cara já recebi um “não temos vagas” do proprietário do restaurante que também oferecia quartos. Fui esfolado por uma senhora, proprietária de um alojamento, que me cobrou 45 euros pela pernoite, mais uns trocos para lavar e secar minha roupa. Outro ponto negativo é a cobrança pelo acesso à pequena capela medieval.

Dia 14 – Cebreiro / Sarria

Ao partir imaginei que uma grande descida me esperava, já que a subida do dia anterior foi grande. Mas não foi essa topografia que encontrei. Na verdade, como na maior parte do caminho, aclives e declives foram constantes no trecho que separa Cebreiro de Sarria. Durante todo o dia, priorizei o caminho via zona rural, decisão que rendeu belas paisagens, túneis de árvores e pedras e bastante atenção para não escorregar e cair.

Nesse trecho, de fato, começou a cair a ficha que o caminho estava acabando. Tentei aproveitar ao máximo e guardar na memória as boas sensações, assim como as paisagens. Sem o castigo do clima, que neste dia estava ameno, fiz um pedal prazeroso apesar do cansaço. Enquanto passava por Sarria, não tinha certeza se queria ou não ficar para passar a noite. Ao avistar o Albergue Oasis e passar pela sua fachada, percebi que poderia obter certo conforto naquele lugar aparentemente bem cuidado. Entrei para obter mais informações.

Dentro do albergue, fui recepcionado por uma atendente bastante simpática, que me informou o valor e os serviços oferecidos. Como os quartos continham apenas dois beliches e o restante das instalações era novinho, decidi ficar. Enquanto jogava conversa fora com a anfitriã, comentei que eu morava em São José do Rio Preto. Logo ela fez uma cara de espanto e disse que não acreditava naquilo. Eu estranhei, mas logo quis saber o motivo. Então, ela me disse que havia namorado um rapaz da mesma cidade que a minha. Também fiquei surpreso, mas a conversa não prosperou muito, já que ela precisava ir embora, pois neste albergue, como em muitos outros que fiquei, os responsáveis não passam a noite no local.

Dia 15 – Sarria / Melide

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Dia 16 – Melide / Santiago de Compostela

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