Eu vivo dizendo por aí que nosso cérebro não é bom em abstração. Os desdobramentos sociais dessa ineficiência são assombrosos. Bora comigo tentar provar que a gente não é tão sabidão quanto imagina e, quem sabe, ter mais argumentos na hora de debater distribuição de renda, liberalismo econômico e corrupção.
Pra começar, podemos testar nossa capacidade de avaliar grandes proporções. Você sabe quanto é 1 milhão de segundos? Faz a conta de cabeça aí. Difícil, né!? E 1 bilhão de segundos? Vixi, aí é embaçado! Pra comprovar o design inteligente do seu cérebro e sua perfeição divina, calcula aí, então: quanto é 1 trilhão de segundos?
Se você não conseguiu, adquira já seu VitaWay de A a Zinco! Hahahhaahaha! Não, não faz isso, não. Faça como eu: use a calculadora.
Vamos deixar os resultados pra daqui a pouco, então, e refletir sobre uma notícia que saiu na última semana. O Elon Musk, dono da Tesla, montadora de carros elétricos, e da SpaceX, fabricante de foguetes, se tornou o homem mais rico do mundo, ultrapassando o Jeff Bezos, dono da Amazon (saudades do Bill Gates). A fortuna do homi chegou a 1 trilhão de reais. Parece muito, não? Mas muito QUANTO?
Pra tentar significar esse valor, vamos voltar pra aula da dona Adair (querida profe de matemática que adorava gritar comigo e me chamar de “inhaca” kkkkk). Se o Musk quisesse sacar toda sua grana e ela fosse separada em pacotes com 100 notas de R$ 100, empilhados em um palet de 1x1m, o montante teria uma altura de… (tenta calcular antes de ler) …………………… 9.600 metros, ou seja, mais alto que o monte Everest! Se precisasse transportar toda a grana, seria necessário 60 trens de carga, cada um com 170m de comprimento. Geddel teria dificuldades. Mas será que dá pra juntar essa grana toda ganhando um bom salário por mês?
Pra tirar melhor proveito da dupla tico e teco, vamos exercitar nossa imaginação e tentar relacionar o rolê da proporção dos mi, bi e trilhões de segundos com uma bufunfa relativamente grande, incluindo o patrimônio do Mr. Musk. Imagine que você faliu e perdeu tudo que tinha, está zerado. Agora, tente se lembrar de uma pessoa relativamente próxima que possa ter o patrimônio de 1 milhão de reais (lembrou?). Se por um golpe do destino, você conseguisse um emprego que te pagasse 1 real por segundo, independentemente da sua carga horária, você demoraria 11 dias e 12 horas para ganhar seu merecido milhão e se equiparar ao coleguinha pseudo-rico. Tranquilo, né!? Dá pra recuperar tudo em menos de duas semanas (tá bom, Claudia, senta lá).
Agora, foco os bilionários. Pra juntar seu primeiro bilhão de reais ganhando 1 real por segundo, levaria (olha o grito) 31 anos e 8 meses! Memorize: milionário Vs bilionário equivale a 11 dias Vs 31 anos, ok? Bem mais tranquilo ser milionário, convenhamos. Mas se você quiser sair do armário e partir para a vida dos bi e meter o pé na porta com seu mísero salário de 2,59 milhões de reais por mês (1 real por segundo), você, milionário de merda, demoraria mais de 30 MIL ANOS para juntar 1 trilhão de reais. É isso mesmo, 30 mil anos, o mesmo intervalo de tempo entre a extinção dos neandertais (preconceituosamente chamados de homens das cavernas) até os dias de hoje ou 7 vezes a idade da civilização chinesa. Deu pra ter uma ideia da diferença entre o poder de compra de um quebrado (0), um milionário, um bilionário e o Elon Musk?
Se ainda não, vamos voltar para as unidades de distância e tentar outro experimento mental. Você já sabe que pobres e ricos devem manter 2 metros de distância pra não pegar Covid, certo? Mais ou menos certo, mas dá pra medir deboas. Se considerarmos R$ 1 por metro, o distanciamento entre um pobre e um milionário é de mil quilômetros – tipo um aqui na ZN de Rio Preto (o rico?) e outro em Balneário Camboriú, SC (o rico!). Já em relação a um bilionário, o pobre teria que percorrer uma distância equivalente a ir, voltar e ir novamente à Lua (2,6 x 384.400 km) pra ter ideia do quão longe ele está do Cristiano Ronaldo.
E o Elon Musk, tá a qual distância de um pobre? Pra descobrir é fácil, basta ligar para o Elon, pedir emprestado um dos foguetes da SpaceX e desembarcar em Saturno. Com essa viagem, daria pra ter uma boa noção da distância que nos separa (mais de 1 bilhão de km) da fortuna do homem mais rico do mundo.
Sejamos francos, às vezes a gente se acha os foda com nossos tênis de marca. Milionários, então, se acham os pica da galáxia com suas SUVs de teto solar, embora sejam uns zé ruelas se comparados aos bilionários. Como tentei ilustrar, trilionários, são seres mágicos. Praticamente, deuses intocáveis, com poderes ilimitados no âmbito social. E como a gente permite? Se pararmos pra pensar no tamanho da desigualdade entre seres de carne e osso, ser um bilionário é simplesmente imoral. As bilionárias famílias Safra e Lemann, conseguiriam SOZINHAS bancar o auxílio emergencial durante a pandemia. Bastaria 11% do patrimônio do Elon Musk para vacinar TODA A HUMANIDADE. Isso mesmo, uma fração da riqueza de um homem VS a solução do problema de um planeta.
Enquanto essas incomensuráveis fortunas são acumuladas, a humanidade padece graças, em parte, à nossa permissividade e incapacidade de abstração, de compreender grandes números, de detectar discrepâncias nos papéis sociais. A gente foca apenas na corrupção, nas discussões de direita e esquerda e não somos capazes de nos rebelar contra essas diferenças de escala cosmológica. Nos falta a visão ampla do sistema e do quanto colaboramos pra que todas as engrenagens continuem girando perfeitamente enquanto desfrutamos do nosso conforto miserável. Não temos ideia sobre o que significa a existência de bilionários, tampouco de trilionários na sociedade. Não somos capazes de detectar as proporções entre o poder de um político e o de um grande empresário (que patrocina indistintamente qualquer político). Quem dera podermos identificar os grandes vilões do capitalismo, os verdadeiros patrocinadores das regras de convívio, facilmente institucionalizadas por meio da barganha. Talvez essa ilusão de liberdade em que vivemos seja o preço da democracia ou, quem sabe, o peso da mão invisível do mercado.
Foto: Elon Musk, por JD Lasica
Muito legal seu texto, Anderson! Parabéns. O que acha de em um próximo texto dissertar sobre qual seria o impacto na economia e na sociedade da não existência de um empreendedor (bilionário) como Jeff Bezos? Pense em um mundo sem esses expressivos nomes: Zuckerberg, Musk, Bezoz, Lemman, Gates, Ellison, Ortega e Walton. Como isso afetaria variáveis como emprego, PIB, bem-estar, etc? Como isso te afetaria em um âmbito mais micro? Sua vida seria diferente do que é hoje? Abraço!
Obrigado pela colaboração, professor João Paulo. Eu acho que para dissertar sobre a inexistência de bilionários seria necessário desconstruir a própria identidade histórica da nossa espécie. Penso que não seja possível desvincular esse tipo de ator dos resultados produzidos por todas as circunstâncias naturais e culturais que levaram os sapiens a chegar até aqui. Seria impossível prever qual evento ou período foi o mais determinante para se permitir o surgimento de bilionários (revolução cognitiva? revolução agrícola? grandes navegações? revolução industrial?). Acho que todos os papéis sociais do mundo moderno são interdependentes: o todo resultando das partes e as partes se mantendo do todo. Sem fazer juízo de valor, uma coisa é certa pra mim: sem bilionários a sociedade seria outra. Se seria melhor ou pior, deixo para os videntes rsrs. 🙏
Verdade, Anderson. Abraço!